Por que construir novas ruas e avenidas não reduz os congestionamentos

Por que construir novas ruas e avenidas não reduz os congestionamentos

Em 14 de Janeiro de 2014, por Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberk, and Jeff Speck – excerto do livro Suburban Nation: The Rise of Sprawl and the Decline of the American Dream

Há um problema muito mais profundo do que a forma como as estradas e avenidas são locadas e gerenciadas. Esse problema surge da questão de por que elas ainda são construídas em último caso. A simples verdade é que a construção de mais estradas, avenidas e o alargamento das existentes, quase sempre motivadas pela preocupação com os congestionamentos, não ajuda em nada para reduzir o problema. No longo prazo, na verdade, elas aumentam o problema. Essa revelação é tão contra-intuitiva que merece ser repetida: aumentar as faixas de rolamento torna o tráfego pior. Esse paradoxo surgiu já em 1942, levantado por Robert Moses, que notou o fato de as avenidas que construiu ao redor de Nova York em 1939 terem de alguma forma gerado ainda mais problemas de tráfego do que existia previamente. Desde então, o fenômeno tem sido bem documentado, mais notavelmente em 1989, quando a Associação dos Governadores do Sul da Califórnia concluiu as medições de tráfego, após a implantação de novas faixas ou mesmo com a sua duplicação, o que demonstrou que elas não foram nada mais que mero efeito cosmético para os problemas de trânsito de Los Angeles. O melhor que puderam fazer foi sugerir que as pessoas morassem mais perto do trabalho, contra o que a construção de novas avenidas sempre está lutando.

Ao longo do atlântico, o governo britânico chegou a conclusões similares. Seus estudos mostraram que o aumento da capacidade de tráfego leva as pessoas a dirigirem cada vez mais, o que consome a metade dos potenciais ganhos em tempo de trânsito perdidos já no curto prazo. No longo prazo, todo o ganho potencial que seria economizado é consumido. Nas palavras no ministro do transporte, “o problema é que não podemos resolver os problemas de trânsito construindo mais estradas” [1]. Enquanto os britânicos responderam a essa conclusão com cortes drásticos em seus orçamentos para o aumento do sistema viário, o mesmo não pode ser dito dos americanos.

Não há escassez de ricos dados. Um estudo recente da Universidade de Berkeley que cobriu trinta condados californianos entre 1973 e 1990 concluiu que, para cada 10% de aumento na capacidade das vias, o tráfego aumentou em 9% dentro de 4 anos [2]. A evidência irônica, necessita-se apenas observar os padrões comuns naquelas cidades com os sistemas viários mais caros. O USA Today publicou a recente noticia sobre Atlanta: “por anos, Atlanta tentou reduzir os problemas de trânsito construindo milhas de avenidas por habitante que qualquer outra cidade, exceto Kansas City … como resultado, sua área sofreu dispersão urbana (urban sprawl), os habitantes agora dirigem uma média de 35 milhas por dia, mais do que os residentes de qualquer outra cidade”. Esse fenômeno, que agora é bem conhecido para os membros da indústria do transporte que querem estudá-lo, tem sido chamado de Tráfego Induzido (induced traffic).

O mecanismo por trás do tráfego induzido é elegantemente explicado por um aforismo popular entre engenheiros de tráfego: “tentar curar os congestionamentos com mais avenidas é o mesmo que curar a obesidade afrouxando as calças”. Aumentar a capacidade de tráfego torna longas viagens menos custosas e, como resultado, as pessoas podem morar cada vez mais longe do local de trabalho. Um número cada vez maior de pessoas toma as mesmas decisões, quanto mais a cidade se torna dispersa e lá se adensa como o centro da cidade, os habitantes exigem ainda mais faixas de avenidas e assim o ciclo se repete. Esse problema é composto pela organização hierárquica das novas avenidas, que concentram ainda mais tráfego em cada vez menos vias (arteriais e coletoras).

O fenômeno do tráfego induzido também funciona ao inverso. Quando a avenida nova-iorquina de West Side entrou em colapso em 1973, um estudo do Departamento de Trânsito (NYDOT) mostrou que 93% das viagens de carro perdidas não reapareceram em lugar algum; as pessoas simplesmente pararam de dirigir. Um resultado semelhante acompanhou a destruição da auto-estrada Embarcadero de São Francisco após o terremoto de 1989. As pessoas votaram pela total remoção da auto-estrada apesar dos avisos apocalípticos dos engenheiros de tráfego. Surpreendentemente, um recente estudo britânico demonstrou que a supressão de avenidas centrais tende a aumentar a economia local, enquanto novas avenidas tendem a aumentar o desemprego urbano. Assim, quanto mais se investe na construção de avenidas, a economia urbana parece ser prejudicada.

Se é para discutir o trânsito de forma responsável, devemos primeiramente deixar claro que o nível de trânsito que os motoristas experimentam diariamente, e do qual reclamam tão veementemente, é apenas tão grande quanto o que consentem em experimentar. Se assim não o fosse, eles mudariam seus hábitos e se mudariam, dividiriam carona, pegariam o trânsito ou apenas trabalhariam em casa, como alguns fazem. A quantidade de congestionamento a todo o momento representa as condições de equilíbrio entre os desejos das pessoas em dirigir e a sua relutância a lutar contra o trânsito. A questão não é a quantidade de faixas que devem ser construídas para melhorar o tráfego, mas qual o tamanho do trânsito que você deseja? Você é favorável a um congestionamento em quatro faixas ou um em seis faixas?

Essa condição é mais bem explicada pelo que especialistas chamam de demanda latente. Já que a restrição real para dirigir é o trânsito, e não o custo monetário, as pessoas estão sempre dispostas a maiores viagens quando o tráfego flui. O número de viagens latentes é grande – talvez 30% do tráfego existente. Devido à demanda latente, o alargamento de ruas e avenidas é fútil, já que os motoristas estão dispostos a usá-las ainda mais [3].

Enquanto a existência do tráfego induzido é bem entendido pelos mais sofisticados engenheiros de tráfego, ele parece ser ainda um segredo pelo motivo de ainda não estar disseminado. Os modelos de computador utilizados por consultores urbanos ainda não consideram esse fenômeno e a maioria dos diretores e planejadores de obras municipais nunca ouviram falar dele. Como resultado, do Maine até o Havaí, os departamentos de engenharia das cidades, condados e mesmo dos estados continuam fomentando a construção e o alargamento de vias “planejando” o tráfego induzido e, assim, acabam criando esse tráfego. O aspecto mais bizarro dessa situação é que os construtores de vias nunca estão errados; na verdade, eles sempre estão certos: “Veja só!”, dizem eles, “Eu disse que o tráfego existia”.

As ramificações são muito inquietantes. Quase todos os bilhões de dólares gastos na construção de novas vias ao longo das últimas décadas estimularam apenas uma coisa: o aumento do tempo que temos que gastar dentro do carro todos os dias. Os americanos hoje dirigem o dobro ou ainda mais por ano do que faziam há vinte anos. Desde 1969, o número de quilômetros viajados cresceu quatro vezes mais que a taxa de crescimento populacional. E apenas começamos: funcionários federais do departamento de rodagem prevêem que ao longo dos próximos vinte anos o congestionamento irá quadruplicar. Ainda assim, cada congressista, parece, quer novas estradas e avenidas em seus créditos.

Alternativas à construção de avenidas estão sendo oferecidas, mas ainda estão enganadas. Se, como está claro além de qualquer dúvida, as pessoas mantêm um equilíbrio de tráfego justo-suportável, então os engenheiros estão perdendo o seu tempo – e nosso dinheiro – em uma nova série de medidas que produzem resultados imediatistas no melhor dos casos. Essas medidas, que incluem corredores de ônibus, pedágios urbanos, sistemas semafóricos e “ruas inteligentes”, servem apenas para aumentar a capacidade de tráfego, o que leva ainda mais pessoas a dirigirem até que se chegue às condições de equilíbrio dos retornos do congestionamento. Enquanto essas medidas são certamente menos esbanjadoras que novas construções, elas não endereçam contra as reais causas dos congestionamentos, que são basicamente a escolha de cada habitante e suportar o congestionamento.

Devemos admitir que, em um mundo ideal, poderíamos seguir nosso caminho, livres de qualquer congestionamento. O aumento em 50% da capacidade de tráfego em todo o país poderia certamente sobrepujar toda a demanda latente. Entretanto, fornecer mais do que melhoras temporárias, esse enorme investimento teria que seguir um controle robusto e diário contra o crescimento dos subúrbios. De outra forma, novos loteamentos, Shopping Centers e estacionamentos de escritórios tornados lucrativos, subsidiados pelas novas estradas e avenidas certamente se chocariam contra as melhorias. No mundo real, esse total controle é raramente possível, o que torna a construção e alargamento de vias um típico desperdício.

Aqueles que são céticos sobre a necessidade de uma reconsideração fundamental dos planos de transporte deveriam tomar nota de algo que experimentamos há alguns anos. Em uma grande sessão de trabalho no projeto da Playa Vista, um projeto urbano de Los Angeles, o engenheiro de tráfego apresentava uma pesquisa do congestionamento atual e projetado para o empreendimento. De nossa cadeira na janela, tínhamos uma visão sem nenhuma obstrução da hora do rush da rua que ele havia diagnosticado como altamente congestionada e na necessidade de ser alargada. Por que, então, o tráfego seguia suavemente sem quase nenhum bloqueio no semáforo? Quando perguntamos, o engenheiro ofereceu uma resposta que deveria ser permanentemente reportada nos anais da profissão: “o modelo de computador que utilizamos não possui necessariamente qualquer relação com a realidade”.

Contudo, a verdadeira questão é o por quê de tantos motoristas escolherem se sentar dentro de seus caros durante horas de congestionamentos sem procurar alternativas. É algum tipo de manifestação de ódio contra si mesmo, ou as pessoas são apenas estúpidas? A resposta é que as pessoas são, na verdade, muito espertas e a sua decisão em se submeter à miséria dos subúrbios é uma resposta sofisticada para um conjunto de circunstâncias que tem muitos problemas como resultado. O uso de automóveis é a escolha inteligente para a maioria dos americanos porque é o que economistas se referem a um “bem gratuito”: o consumidor paga apenas uma fração de seu verdadeiro custo. Os autores Stanley Hart e Alvin Spivak explicam que:

Aprendemos nas primeiras aulas de economia o que ocorre com bens e serviços que se tornam “bens gratuitos”. O mercado funciona caoticamente, a demanda sobe infinitamente. Na maioria das cidades americanas, espaços de estacionamento, avenidas e estradas são bens gratuitos. Os serviços municipais voltados para o motorista e para a indústria dos transportes  – engenharia de tráfego, controle de tráfego, sistemas semafóricos, a polícia e os bombeiros, a manutenção e pavimentação de vias – são todos bens grátis.

 

 

Notas:

[1] Donald D. T. Chen: “se você construi-lo, ele virá … por que não podemos construir nós mesmos nosso próprio congestionamento?” Surface Transportation Policy Project Progress VII.2 (March 1998): I, 4. 3 Ibid., 6.

[2] ibid, p. 6

Carol Jouzatis: “39 milhões de pessoas trabalham e vivem fora dos centros urbanos” USA Today, 4 de Novembro de 1997: 1A-2A. Como resultado da massiva construção de auto-estradas, a área urbana de Atlanta é “uma das maiores violadoras dos padrões federais de nível de ozônio, com a maioria do problema sendo causada pelas emissões dos motores de veículos” (Kevis Sack. “Governador propõe remédio para a dispersão de Atlanta”, The New York Times, 26 de Janeiro de 1999: A14)

Jill Kruse: “Remova-as e eles desaparecerão: por que a construção de novas vias não é sempre a resposta para os congestionamentos”. Surface Transportation Policy Project Progress VII:2 (Março de 1998): pp. 5-7. Nesse estudo, na análise do fechamento de sessenta estradas e avenidas ao redor do mundo, concluiu-se que entre 20% e 60% das viagens de carro desapareceram ao contrário de terem sido realocadas.

[3] Stanley Hart e Alvin Spivak. The Elephant in the Bedroom: Automobile Dependence and Denial; Impacts on the Economy and Environment. Pasadena, Calif.: New Paradigm Books, 1993, 122.

Jane Holtz Kay. Asphalt Nation: How the Automobile Took Over America, and How We Can Take It Back. New York: Crown, 1997, 15; and Peter Calthorpe. The Next American Metropolis: Ecology, Community, and the American Dream. New York: Princeton Architectural Press, 1993, 27. Desde 1983, a quilometragem de viagens de automóvel cresceu 8 vezes a mais que a população (estudo de tráfego da Urban Land Institute). Os maiores aumentos do uso do automóvel correspondem às maiores concentrações de dispersão urbana. O consumo anual de gasolina por pessoa em Phoenix e Houston é mais do que 50% maior que em Chicago ou Washington, D. C. , e mais que 500% maior que Londres ou Tókio (Peter Newman and Jeff Kenworthy. Winning Back the Cities. Sydney: Photo Press, 1996, 9). Normalmente, 70% das auto-estradas ficam paradas durante as horas de pico (Jason Vest, Warren Cohen, and Mike Tharp. “Road Rage.” U.S. News & World Report, June 2, 1997: 24-30). Em Los Angeles, o congestionamento já reduziu a média de velocidade para menos de 31mph; mas nos anos de 2010, estão projetados para caírem a 11mph (James MacKenzie, Roger Dower, and Donald Chen. The Going Rate: What It Really Costs to Drive. Report by the World Resources Institute, 1992, 17).

Quase qualquer situação parece aceitável para justificar os gastos em auto-estradas, mesmo a recente epidemia de estresse dos congestionamentos. O deputado Bud Schuster, presidente da U. S. Congressional Committee on Transportation and Infrastructure, fez a seguinte recomendação: “a construção de novas faixas, o alargamento das avenidas e a retificação de curvas poderia reduzir os congestionamentos, a impaciência e a falta de segurança do hábito de alguns motoristas” (Thomas Palmer. “Pacifying Road Warriors.” The Boston Globe, July 25, 1997: A1, B5).

Stanley Hard and Alvin Spivak, The Elephant in the Bedroom: Automobile Dependence and Denial, 2. A maioria das informações aqui apresentadas sobre a ciência e a economia dos congestionamentos surge desse livro, que deveria ser lido e estudado por qualquer planejador urbano, engenheiro de tráfego e mesmo o ativista amador.

A lógica por trás do desejo de fazer uso de bens gratuitos é sugerido pelo argumento em tópico de uma recente conferência de planejamento: “é claro que não há estacionamento suficiente! Se você der pizza grátis para todo mundo, teria pizza suficiente?”

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